Eu e
minhas prosas com o filho de Taperoá...
Fonte: [www.wordpress.com]
_Mestre
Ariano... vamos confabular um bocadinho?
_Diga lá,
essa menina! O que é que há?
_Professor...
eu acho que estou adiantando a idade e ficando rabugenta, perdendo uma das
minhas características mais fortes (a paciência) com certas coisas que ando a
observar...
_Oxente, criatura,
me conte o que sucede por aí! De repente, eu escrevo um auto celestial e lhe
mando em sonho num boi voador, pra você atravessar esta cidade, que nem nos
tempos de Nassau...
_Espie só,
mestre: na política, o senhor já sabe. Creio eu que as notícias correm nos jornais celestiais no
mesmo tanto de velocidade que jegue em desabalada carreira. O escárnio com os
desvalidos é cada vez pior, os direitos conquistados vivem na mira dos rifles,
a desgraceira está em toda parte. Até o pobre boi agora virou alvo da
bandidagem. Não bastassem as pilhérias com seus cornos, ainda zombam de sua
carne, que não está valendo nem um papelão. O frango, coitado... nem seu nobre
peito tem mais valia, que dirá seus derivados! O leite tem creolina, a cerveja
tem milho (menos mal, que pelo menos milho se come) e até a pobre paçoca teve
sua virgindade violada. Por enquanto, pelo menos, o cuscuz ainda se salva!
_Vixe,
essa menina! Eu fico aqui tão entretido com os colega do departamento de prosa,
conto e poesia, que não estava nem me ligando na safadeza desse povo. É de pior
para acabou-se, não é? Mas me conte mais!
_Afora
isso, o desrespeito segue em ritmo de tufão. Está cada vez pior: ninguém
respeita o idoso, o deficiente, a prenha... os professores, então, nossenhora! A
mulher está cada vez mais sendo enquadrada nas prateleiras dos supermercados,
sua única competência, dizem alguns. E se quiserem ter alguma coisinha na vida,
ralem muito, mas se esqueçam da aposentadoria, pois este direito está prestes a
lhe ser tomado. Aliás... aposentar por aqui só após morrer... aí o sujeito não vai
ter como trabalhar mais, mesmo, né?
_Como é,
essa menina? A aposentadoria não era um direito do trabalhador? Como agora se
trabalha até cair os dentes? Eu tenho pra mim que o inferno subiu, tomou o rumo
acima da terra... O tinhoso botou o caldeirão pra ferver e está preparando a
sopa... só pode!
_É,
mestre... o senhor não sabe da missa um rosário! Se a Compadecida aparecer por
aqui terá um enorme trabalho na hora de fazer a defesa dos condenados... E
desta vez o dito estará mais do que provado: só Jesus salva! É certo que ainda
tem gente de bem, querendo construir o melhor, que ainda pensa no seu
semelhante, que promove a paz... O Francisco, por exemplo, é um deles. Está à
frente do Vaticano, olhando-nos a todos como um só, independente do credo, da
opção de vida, dos anseios e pecados... Este segue os Mandamentos e nos incita
a amar o outro como a nós mesmos. E tem muitos outros, de outros ritos até, nos
ensinando o caminho do bem... talvez o rebanho ainda tenha salvação, quando
tiver que cumprir a sua sentença.
_Ah, pelo
menos isso, essa menina. O encontro com o único mal irremediável é certo para
todos nós, ninguém escapa. Eu mesmo sou prova viva... Eita... sou prova morta dele.
_Mas, além
de tudo o que estamos vivendo, das guerras do mundo, daquelas internas, ainda
temos que exercitar a complacência, até com os mais próximos... porque a
inveja, ah, mestre Ariano... oh, coisinha que roda o mundo e permanece igual! Tanto
que Jesus ensinou e o povo, ao invés de buscar seu crescimento, quer azedar a
conquista do outro, só porque não alcançou o mesmo. Pode isto, professor? Já não
nos basta a dureza da conquista, e a gente ainda tem que benzer tudo o que tem
para não murchar com os olhos gordos dos sugadores de energia? Valha-me, Nossa
Senhora, mãe de Deus de Nazaré! É demais, né, não?
_É... tem
gente que vive de olho no alheio só pelo prazer de querer o mesmo e provar para
o outro que também tem. Não se lembra daquele episódio em que aquela senhora achou
que eu conhecesse a Disneylândia e soubesse o que era o vídeo sound boris volcane? Ela achava que todo
mundo tinha que ser igual pra viver no meio dela, e não conhecer a Disneylândia
ou ter um vídeo daquele tipo era algo imperdoável... Homem, se eu me importava
lá com quem conhecia o que quer que fosse ou tivesse qualquer porqueira
diferente das dos outros!
_Então,
não é, mestre? A coisa está indo de mal a pior. O rico humilhando o pobre é
coisa antiga, a gente não se admira mais de nada, como costumava dizer Chicó. Mas
o pior é pobre invejando o lascado. É tanta inveja, tanta inveja, que eu não duvido
que um pobre inveje o outro só porque tem mais remelentos do que ele e, por consequência,
mais cartões do Bolsa Família! Eu só estou essa! É como o senhor diz, nas
palavras de João Grilo: _É demais!
_Repare
bem, essa menina... pelo que você me conta, dá até para montar um auto... maior
do que aquele meu, que você conhece bem. Você pode até escrever, se quiser, eu
lhe dou a carta branca. Basta apontar onde estão a simonia, o estelionato, incitação
à concupiscência, velhacaria, arrogância com os pequenos, subserviência com os
grandes, ausência total de coleguismo, intolerância religiosa, de gênero,
profanação do nome de Deus... acrescentando desta feita a inveja. Personagens não
lhe faltarão, já que podem ser encontrados em qualquer tipo de instituição e
até no meio do povo. Eu só lamento que eles sejam reais e que o auto não seja
uma simples obra de ficção. Eu desejo que a Compadecida consiga salvar alguns
deste rebanho de condenados... porque desta vez... o diabo estará com a corda
toda, carregado de argumentos quase indestrutíveis...
_Mestre...
está difícil, mesmo. Eu penso, penso, e não me sai um clarão de entendimento,
como diria João Grilo. Até o Capitão Severino estaria de mãos atadas, a sua
papo amarelo não daria conta. A peixeira de Vicentão... vixe! Não passa de uma
faca de pão, tamanha é a balbúrdia, o excesso de absurdo que se dá por cá.
_Mas
violência não é a solução, essa menina. Isto é coisa dos “Bolsonadas” da vida,
e nos iguala a todo esse rebanho de condenados. O causo é mesmo de aumentar a
fé, e seguir firme nas suas convicções de amor e respeito ao seu semelhante. Se
quiser se aliviar um tantinho pense nas lorotas de Chicó e acalme o coração... Reze
à Compadecida, para que haja uma saída justa para todos... e que ela volva seu
manto de amor sobre os inocentes, sobre os que perdem a vida, sobre os que
sofrem injúrias, perseguições, ameaças... sobre os que choram a morte dos seus,
sobre os que sofrem violências, sobre os que padecem com a miséria... sobre os
que ‘secam’ a vida alheia...
_ É,
mestre, Ariano... a arte vive imitando a vida, embora o que vivemos seja por
demais real, e não mera coincidência...
_Não
se amofine, não, essa menina! No final de tudo, vai ser como Deus quer... Eu não
sei como... só sei que será assim...