quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A modernidade feriu de morte o 'que ficou no passado'...



Porque eu sou de outrora, seu moço...

 [Fonte: https://www.etsy.com/market/pierrot_doll]

O meu ‘tiro é este’... que dispara lirismo, poesia, versos docemente rimados... um bailado compassado, acompanhando a melodia do pau e cordas, dos banjos, dos clarins... vindas lá do idos de Capiba, de Raul e Edgar Moraes, Getúlio Cavalcanti... Chiquinha Gonzaga...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Amo o saudosismo e a poesia dos frevos de blocos, assim mesmo, ‘cansados e ultrapassados’, como se costuma dizer. Eu vibro ao entoar o Hino de Elefante, Pitombeiras, Ceroulas... Sinto agonia nos pés só de imaginar um acorde de Vassourinhas. Minha alma se alegra com o Voltei Recife, Evocação Número 1... com os verdadeiros Valores do Passado... e me desmancho em lágrimas só de ouvir na terça-feira gorda o Último Regresso...

Respeito a suas preferências, não vou impor o meu querer ao seu nem ‘vou jogar na sua cara’, nem ‘tacar bebida e mais não sei o quê’. Não sou ‘malandra’ e o único 'lepo-lepo' que conheci foi apenas aquele recado ameaçador da minha mãe, diante das raras traquinagens... E se você me diz: ‘Vai passar mal...’, eu passo mesmo, afinal quem me ‘nocauteou, nocauteou’ foi o mau gosto, vindo de um miado desafinado de uma gata com mania de ser cantora...

Perdoe-me, seu moço, mas eu sou mesmo é de outrora...

Da modernidade que destila decadência, que maltrata a poesia, macula a inocência... e tantas outras coisas que embrulham o estômago, machucam os ouvidos e aniquilam a cultura de um povo... eu quero distância, dela corro léguas...

Porque eu não sou moderna, seu moço... vivo neste passado que me encanta, e cada vez que o revisito, passo, com certeza, os melhores dias do ano por lá... 

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Empoderamento – “que tiro é este?”...

Empoderamento... parece até tema recente, um mantra da moda, equivocadamente proferido em qualquer esquina... Se é vivido em sua essência... aí é que são elas!

Fonte: [https://www.mulheresempreendedoras.net.br/empoderamento-das-mulheres/]


O empoderamento corre o mundo ao longo dos séculos...

Empoderada foi Frineia... que, mesmo tendo sua ideia sido rejeitada, uma vez muito rica, se ofereceu para reconstruir os muros de Tebas, destruído por Alexandre, o Grande, exigindo que fossem neles cravada a frase "Destruído por Alexandre, restaurado por Friné a hetaira", que quer dizer ‘cortesãs ou prostitutas sofisticadas’.

Empoderada foi Marie Duplessis, que, de cortesã mais cara de Paris, se tornou condessa. Empoderadas foram Chiquinha Gonzaga, Olga Benário, Anita Malfatti, Pagu, Guiomar Novaes, Yolanda Penteado, Maysa, as heroínas de Tejucupapo (Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina), Lou Salomé, Frida... Empoderada foi Dandara, que lutou pela liberdade dos negros junto ao seu amado, Zumbi dos Palmares. Empoderada foi Joana D’Arc, que ardeu em chamas, mas não negou a sua fé. Empoderada foi Dona Netinha, primeira mulher a presidir um maracatu – Maracatu Rural Cruzeiro do Forte...

Empoderada é Elba Ramalho, que começou a fazer sucesso exibindo o seu cabelo de fuá. Empoderada é Maria Bethania, que se apresenta de pés descalços, mandando o seu Grito de Alerta nos mais ilustres palcos mundo afora. Empoderada é Ana Carolina, que comanda uma ruma de Bicudos, arrasando no cajón. Empoderada era Clara Nunes, que, com o Canto das Três Raças, pela quebra das correntes, não se intimidava em levar a cultura africana representando a sua religião, em ritmos, dança e vestimentas. Empoderada é Maria da Penha, que, em nome da luta pelo fim da violência contra a mulher, deu nome a uma lei.

Empoderado é Ney Matogrosso, que com seu Sangue Latino nunca camuflou suas escolhas debaixo de Secos e Molhados. Empoderado era Cazuza, que mesmo acometido por doença fatal, escancarou a voz a pedir que o Brasil mostrasse a sua cara. Empoderado era Renato Russo, que, se vivo fosse, agora mais do que nunca, estaria perguntando: Que País é Esse? Empoderado era Freddie Mercury, que pedia I want to break free, posando de doméstica. Empoderado era Michael Jackson, que reuniu os artistas, em nome dos irmãos africanos, os fazendo compreender que We are de World. Empoderado é Andy Bell, que, com seu talento, voz e graça pede apenas I Little Respect. Empoderado é Zé Ramalho, que, de certa forma, viveu o que carrega em sua poesia – Garoto de Aluguel. Empoderados são Thomas Hitzlsperger, Robbie Rogers, David Testo, Oswaldo José Henríquez Bocanegra, Richarlyson, que defendem os seus times e até suas seleções na condição de homossexuais, em gramados onde impera a ‘macheza’.

Empoderar-se não é impor um talento que não se tem, fazendo-nos “passar mal”, ficar completamente “nocauteados”. Empoderar-se não é se desnudar “malandramente”, num “tiro” de vulgaridade, confirmando o estereótipo de determinada condição social.


Empoderadas são nossas mães, avós, tias, primas, cunhadas... somos eu e você, que estamos sempre em busca por quebrar regras, ditar novos padrões, ousar, revolucionar... sem perder nossos valores, sem nos despirmos de nossas virtudes, sem nos jogarmos à decadência do ser...

O mais acertado tiro, entendam, é este!

terça-feira, 21 de março de 2017

No Auto da Vida Real, nos salvem Jesus e a Compadecida...

Eu e minhas prosas com o filho de Taperoá...

Fonte: [www.wordpress.com]


_Mestre Ariano... vamos confabular um bocadinho?

_Diga lá, essa menina! O que é que há?

_Professor... eu acho que estou adiantando a idade e ficando rabugenta, perdendo uma das minhas características mais fortes (a paciência) com certas coisas que ando a observar...

_Oxente, criatura, me conte o que sucede por aí! De repente, eu escrevo um auto celestial e lhe mando em sonho num boi voador, pra você atravessar esta cidade, que nem nos tempos de Nassau...

_Espie só, mestre: na política, o senhor já sabe. Creio eu que as notícias correm nos jornais celestiais no mesmo tanto de velocidade que jegue em desabalada carreira. O escárnio com os desvalidos é cada vez pior, os direitos conquistados vivem na mira dos rifles, a desgraceira está em toda parte. Até o pobre boi agora virou alvo da bandidagem. Não bastassem as pilhérias com seus cornos, ainda zombam de sua carne, que não está valendo nem um papelão. O frango, coitado... nem seu nobre peito tem mais valia, que dirá seus derivados! O leite tem creolina, a cerveja tem milho (menos mal, que pelo menos milho se come) e até a pobre paçoca teve sua virgindade violada. Por enquanto, pelo menos, o cuscuz ainda se salva!

_Vixe, essa menina! Eu fico aqui tão entretido com os colega do departamento de prosa, conto e poesia, que não estava nem me ligando na safadeza desse povo. É de pior para acabou-se, não é? Mas me conte mais!

_Afora isso, o desrespeito segue em ritmo de tufão. Está cada vez pior: ninguém respeita o idoso, o deficiente, a prenha... os professores, então, nossenhora! A mulher está cada vez mais sendo enquadrada nas prateleiras dos supermercados, sua única competência, dizem alguns. E se quiserem ter alguma coisinha na vida, ralem muito, mas se esqueçam da aposentadoria, pois este direito está prestes a lhe ser tomado. Aliás... aposentar por aqui só após morrer... aí o sujeito não vai ter como trabalhar mais, mesmo, né?

_Como é, essa menina? A aposentadoria não era um direito do trabalhador? Como agora se trabalha até cair os dentes? Eu tenho pra mim que o inferno subiu, tomou o rumo acima da terra... O tinhoso botou o caldeirão pra ferver e está preparando a sopa... só pode!

_É, mestre... o senhor não sabe da missa um rosário! Se a Compadecida aparecer por aqui terá um enorme trabalho na hora de fazer a defesa dos condenados... E desta vez o dito estará mais do que provado: só Jesus salva! É certo que ainda tem gente de bem, querendo construir o melhor, que ainda pensa no seu semelhante, que promove a paz... O Francisco, por exemplo, é um deles. Está à frente do Vaticano, olhando-nos a todos como um só, independente do credo, da opção de vida, dos anseios e pecados... Este segue os Mandamentos e nos incita a amar o outro como a nós mesmos. E tem muitos outros, de outros ritos até, nos ensinando o caminho do bem... talvez o rebanho ainda tenha salvação, quando tiver que cumprir a sua sentença.

_Ah, pelo menos isso, essa menina. O encontro com o único mal irremediável é certo para todos nós, ninguém escapa. Eu mesmo sou prova viva... Eita... sou prova morta dele.

_Mas, além de tudo o que estamos vivendo, das guerras do mundo, daquelas internas, ainda temos que exercitar a complacência, até com os mais próximos... porque a inveja, ah, mestre Ariano... oh, coisinha que roda o mundo e permanece igual! Tanto que Jesus ensinou e o povo, ao invés de buscar seu crescimento, quer azedar a conquista do outro, só porque não alcançou o mesmo. Pode isto, professor? Já não nos basta a dureza da conquista, e a gente ainda tem que benzer tudo o que tem para não murchar com os olhos gordos dos sugadores de energia? Valha-me, Nossa Senhora, mãe de Deus de Nazaré! É demais, né, não?

_É... tem gente que vive de olho no alheio só pelo prazer de querer o mesmo e provar para o outro que também tem. Não se lembra daquele episódio em que aquela senhora achou que eu conhecesse a Disneylândia e soubesse o que era o vídeo sound boris volcane? Ela achava que todo mundo tinha que ser igual pra viver no meio dela, e não conhecer a Disneylândia ou ter um vídeo daquele tipo era algo imperdoável... Homem, se eu me importava lá com quem conhecia o que quer que fosse ou tivesse qualquer porqueira diferente das dos outros!

_Então, não é, mestre? A coisa está indo de mal a pior. O rico humilhando o pobre é coisa antiga, a gente não se admira mais de nada, como costumava dizer Chicó. Mas o pior é pobre invejando o lascado. É tanta inveja, tanta inveja, que eu não duvido que um pobre inveje o outro só porque tem mais remelentos do que ele e, por consequência, mais cartões do Bolsa Família! Eu só estou essa! É como o senhor diz, nas palavras de João Grilo: _É demais!

_Repare bem, essa menina... pelo que você me conta, dá até para montar um auto... maior do que aquele meu, que você conhece bem. Você pode até escrever, se quiser, eu lhe dou a carta branca. Basta apontar onde estão a simonia, o estelionato, incitação à concupiscência, velhacaria, arrogância com os pequenos, subserviência com os grandes, ausência total de coleguismo, intolerância religiosa, de gênero, profanação do nome de Deus... acrescentando desta feita a inveja. Personagens não lhe faltarão, já que podem ser encontrados em qualquer tipo de instituição e até no meio do povo. Eu só lamento que eles sejam reais e que o auto não seja uma simples obra de ficção. Eu desejo que a Compadecida consiga salvar alguns deste rebanho de condenados... porque desta vez... o diabo estará com a corda toda, carregado de argumentos quase indestrutíveis...

_Mestre... está difícil, mesmo. Eu penso, penso, e não me sai um clarão de entendimento, como diria João Grilo. Até o Capitão Severino estaria de mãos atadas, a sua papo amarelo não daria conta. A peixeira de Vicentão... vixe! Não passa de uma faca de pão, tamanha é a balbúrdia, o excesso de absurdo que se dá por cá.

_Mas violência não é a solução, essa menina. Isto é coisa dos “Bolsonadas” da vida, e nos iguala a todo esse rebanho de condenados. O causo é mesmo de aumentar a fé, e seguir firme nas suas convicções de amor e respeito ao seu semelhante. Se quiser se aliviar um tantinho pense nas lorotas de Chicó e acalme o coração... Reze à Compadecida, para que haja uma saída justa para todos... e que ela volva seu manto de amor sobre os inocentes, sobre os que perdem a vida, sobre os que sofrem injúrias, perseguições, ameaças... sobre os que choram a morte dos seus, sobre os que sofrem violências, sobre os que padecem com a miséria... sobre os que ‘secam’ a vida alheia...

_ É, mestre, Ariano... a arte vive imitando a vida, embora o que vivemos seja por demais real, e não mera coincidência...

_Não se amofine, não, essa menina! No final de tudo, vai ser como Deus quer... Eu não sei como... só sei que será assim...

segunda-feira, 6 de março de 2017

Prazer, Eu Sou Mulher!

Especialmente neste mês de março, eu sou...

[Fonte: http://www.mensagens10.com.br/mensagens-dia-da-mulher]

Eu sou Olga Benário, mas também sou conhecida por Lou Salomé, Simone de Beauvoir. Às vezes sou Anita Malfatti, Raquel de Queiroz, Lya Luft, Luzilá Gonçalves... Eu sou Patrícia Galvão, ou Pagu, para os que me têm intimidade, mas posso ser Florbela Espanca, Cecília Meireles, Carmem Miranda, Leila Diniz, Maysa, Elis Regina, Dalva de Oliveira... se assim eu quiser. Tens dias que sou Clarice Lispector, Donna Tartt, Marian Keyes, Cora Coralina, Zélia Gatai, Maria das Dores, simplesmente Maria ou Maria José...

Sou gata borralheira, dama da corte, marquesa, princesa, a cortesã, a meretriz... Outros dias sou Anita Garibaldi, Dandara dos Palmares, Maria Bonita... sou Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina (as guerreiras de Tejucupapo)... se me apoquentam o juízo, se me torcem o nariz.

Sou Chiquinha Gonzaga, namorando a lua branca. Sou Maria Bethânia, a dona do dom. Sou Cesária Évora, Tcha'm cantá-bo nh'amor Ô mundo, sou Lauryn Hill, calling Redemption song... Quando o desejo me invade, me transformo em Madame Pompadour, Madame Duplessis... para seduzir o meu amor. Sou as donas de casa, nos pegue-pagues do mundo, das letras do Raul. Sou Alice, perdida no tempo, sou a Dulcinéa do Quixote, pendurada num cata-vento, sou as 7 mulheres das batalhas do Sul.

Sou a diarista, a lavadeira, a médica, a cozinheira, a radialista, a professora, a bordadeira, a secretária, a merendeira, a diretora, a comissária de bordo, a mão diligente na construção civil... Sou a manicure, a operária, a advogada, a engenheira, a comportada, a maloqueira... Afrodite, Artemis, Athena... a mais bela das criaturas.. uma Gioconda como nunca se viu.

Sou a desportista, a estudante, a namorada, a amiga, a esposa, a companheira, a amante, a governanta, a governante... Eu sou o ontem, o hoje, sou o que sou e sempre serei... Sou tudo e mais um pouco, sou aquilo que eu quiser. Pouco importa se eu tenho um nome...

Prazer, Eu Sou mulher!

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

‘Quem tem boca vaia Roma’... ou vai a Roma...

[Fonte: www.viajandonasbolhasdosaberporque.blogspot.com]

Há quem diga que o certo é ‘vai a Roma’, que os dicionários de provérbios desta forma o asseguram, posto que assim dito significa aquele que não tem acanhamento de pedir informação sobre o rumo a seguir. Há também os que advogam que o correto seria ‘vaia Roma’, o que ocorria na época dos imperadores, quando estes abusavam dos seus ‘desgovernos’ e eram submetidos às vaias do povo. Ops... parece que voltamos à época dos imperadores, não é? Acho que neste caso... faz muito mais sentido. Deixemos este escrito para outro momento.

Mas o que quero refletir aqui é sobre o ato... a vaia. No dicionário, diz-se de uma manifestação de desaprovação, um sinal de que algo não está agradando. Mas a nossa linguagem não é limitada, é sempre possível ir além da semântica. Disto o povo brasileiro bem o sabe... Quer dizer, quase sempre não sabe, mas faz uso, ainda assim.

No meio esportivo, por exemplo, a vaia ganha outro tom, nem sempre está atrelada à desaprovação de algo, muito menos à desordem, tão bem atribuída enquanto ‘sinônimo de povo brasileiro’. Em muitos momentos, ela funciona como o posto do apoio, um estímulo à desconcentração, um desejo ferrenho de que o adversário cometa uma falha, tendo esta, muitas vezes, como a única saída para a vitória dos seus elegidos. Funciona como ‘eu não estou vaiando a sua pessoa, só estou torcendo para que o meu favorito se sagre vencedor’. Sim, pode revelar um ato destituído de educação, uma descortesia. Mas quando razão e emoção entram em embate, o descontrole e o bom senso não formam a pauta.

Eu penso que nos jogos olímpicos, vividos em nosso país, talvez, como oportunidade única para muitos de nós, as vaias são tão somente a expressão esfuziante de uma plateia apaixonada, que nelas encontrou uma forma de manifestar para quem vai a sua torcida. Mas está longe de ser um símbolo de desagrado, de discordância, de desaprovação de um ato ou de uma pessoa, pois é por demais sabido o quanto se reconhece o valor daqueles que cá se apresentam, competindo, exibindo o seu talento, tentando fazer valer os seus anos de esforços.

Se pudéssemos ter um olhar mais apreciativo, entenderíamos um pouco mais sobre o significado e o sentido das coisas, e atribuiríamos menos julgamentos frouxos, sem liga nos argumentos. Não aprovo as vaias que desrespeitam os cabelos brancos, que denigrem, que humilham. Mas consigo perceber quando elas soam com outros sentidos...

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Nova prosa com Ariano

Sobre o que sucede por estas bandas...

Fonte da imagem:[www.almanaquedacultura.com.br]

_Mestre Ariano... vamos confabular um bocadinho?

_Diga lá, essa menina! O que sucede desta vez? Qual foi a agonia que se aboletou no seu coração?

_Mestre... Eu ando encafifada com os acontecimentos pelas bandas de cá deste mundo. O senhor vive noutro plano, faz nem ideia do que ocorre por aqui. Mas se cá estivesse, será que a balbúrdia acontecida nestas paragens daria um Auto dos bons, daquele da Compadecida? Que lição a gente pode tirar de tudo isso?

_Oxente, homem, me conte a ruma de coisa que tanto se passa por aí, que eu digo daqui o que faria! A cadeira celestial aqui é boa, de uma palha até confortável, mas nunca mais escrevi uma linha sequer. De repente, eu dito e você escreve daí!

_Espie só, mestre: o respeito é uma coisa rara, o senhor bem sabe. Isto acontece por aqui desde o seu tempo. Mas está cada vez pior. O povo não quer saber de entender o gosto do outro, as suas posições políticas, as suas crenças, como se posiciona sexualmente na sociedade. Foi diferente da pessoa, vixe! Mete logo o pau! E não fica por aí, não, professor! O povo julga, condena, esquarteja e mata. O sujeito não tem nem direito a um julgamento justo. Pode isto?

_Olhe, essa menina, estava aqui pensando na cena do julgamento da minha obra, que você conhece muito bem, e penso que o diabo não ia conseguir salvar ninguém dessa vez, pelo que você me conta. Acho até que ele ia precisar dos ‘décimos’ do inferno, porque os quintos já estariam todos ocupados, não é, não?

_Então, não é, mestre? A coisa está indo de mal a pior. É rico humilhando pobre, achando que por ter muitos tostões na carteira vale mais que a vida dos desvalidos. E nas empresas, então! É igualzinho àquele seu ditado: ‘é tanta condição que se exige pra dar emprego, que eu não conheço um patrão com condição de ser empregado’. E é até pior, porque os patrões impõem o seu poder sobre os que precisam, e o assédio moral é a coisa mais comum. Daqui a pouco vai fazer parte dos valores estabelecidos nas organizações, vai ser a missão: ‘Humilhar os hierarquicamente inferiores, diariamente, para que façam apenas o que mandamos, sob pena de exclusão do quadro de funcionários’. E ainda tem aqueles bajuladores de plantão, que não perdem a oportunidade de fazer mal ao colega. O senhor não vai nem acreditar, mestre. Enquanto isto... os ricos cada vez mais ricos... As águas seguem correndo para o mar. Eu mesma não me admiro mais de nada!

_Repare bem, essa menina... pelo que você me conta, o enredo é o mesmo daquele Auto, está tudo lá – simonia, estelionato, incitação à concupiscência, velhacaria, arrogância com os pequenos, subserviência com os grandes, em prol dos escusos interesses comuns, ausência total de coleguismo, intolerância religiosa, de gênero, profanação do nome de Deus... E tudo isto capitaneado por uma ruma de falsos pastores, de homens cheios dos tais ‘fóbicos’, de patrões que não conhecem a verdadeira liderança, um bando de cachorros (sem querer ofender os bichinhos), premeditadores (e réus) de crimes inúmeros, travestidos de paladinos da moral e da ética. Falta nada mais, não. O que você acha, essa menina? Está mesmo uma desgraça só! E estou vendo que está tudo num bolo só, espalhado por tudo o que é canto, de todo tipo e qualidade de instituição. Está na instância política, está nas empresas, nas igrejas, na sociedade toda... Aliás, essa menina, eu tenho pra mim que deveriam inventar outro nome pra sociedade. Se sociedade quer dizer um agrupamento de gente que convive em colaboração mútua, esse negócio está errado, não está, não?

_Mestre... está difícil, mesmo. Eu penso, penso, me viro pra ver se sai uma reflexão... mas, neste caso, o penso fica torto e eu não encontro uma saída. E se a gente apelasse para o Capitão Severino, pra ele mandar uma carrada de bala nessa (des)gente toda?

_Adiantava, não, essa menina. Você iria se igualar a todo esse rebanho de condenados. Iria ser mesminha àquele povo que tira a vida do seu semelhante, alegando a ordem de Deus, em nome de uma religião que nada disto prega. Seria igual aos patrões que pensam ser reis, arrodeados de súditos. É tudo uma cambada de desordeiros, fingidores de moralidade. Deixe este povo pra lá, quem nem pra dar gosto ao Cão eles servem. O causo é de pedir inspiração divina e aumentar a fé, e seguir firme nas suas convicções de amor e respeito ao seu semelhante. Porque nem pra rir serve... Nem mesmo as inocentes e engraçadas artimanhas do meu João Grilo podem nos arrancar o riso frouxo. Talvez, só mesmo as lorotas de Chicó podem nos servir como engodo pra gente ganhar tempo enquanto pensa numa saída mais justa para todos. E muita reza, essa menina... muita apelação à Compadecia... para que ela volva seu manto sobre os inocentes, sobre os que perdem a vida, sobre os que sofrem injúrias, perseguições, ameaças... sobre os que choram a morte dos seus, sobre os que sofrem violências, sobre os padecem com a miséria...

_ É, mestre, Ariano... Eu volto a refletir que a arte tenta imitar a vida, mas a história que estamos vivendo tem enredos e personagens tão extraordinária e cruelmente reais, que não há ficção capaz de atribuir mera coincidência em qualquer que seja a semelhança...

_É, essa menina, se amofine, não! Tenha fé em Deus, Jesus e na Compadecida, que vai dar tudo certo. Eu não sei como... só sei que será assim...

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Um 31 de março de 1964... revisitado em maio de 2016...

As feridas foram abertas... um triste prenúncio se desenha. A luta por justiça e igualdade trava mais uma sangrenta batalha...

[Fonte: www.baudovalentim.net]

Naquela madrugada de 31 de março, o terror que tomou conta do País já era esperado. O que nos assombra agora se esconde por detrás de ‘bons rostos’, falsos profetas da justiça e da moralidade. Outra vez nos atemoriza o morrer em vida, o regredir, o ter que calar. Mais um vez se busca justificar o que não tem aparato jurídico, o injustificável. Os rotos (para não dizer os ratos) especulando aqueles que eles fazem questão de esfarrapar.
Como em bom pernambuquês, o estado democrático de direito levou uma carrada de bala bem na caixa dos peitos, e agoniza sob a vigília dos atiradores. A preguiça intelectual segue desfilando suas frases feitas, advogando em favor dos carrascos, usando a palavra justiça como se fora rótulo de cigarro vagabundo, feito numa folha qualquer caída de uma árvore, envolta num fumo de rolo. Pobres incautos... de tanto se voltarem apenas para os seus próprios umbigos, se esquecem de levantar a cabeça, de olhar em volta e perceber que todos... todos... todos são a si iguais... E nem imaginam o que lhes espera...
Depois daquele 1964, quem sobreviveu buscou renovar as energias e retomar as lutas. Os direitos foram reconquistados, a democracia, enfim, havia sido retomada... Havia... 'Golpe' nos pareceu, por longas eras, apenas um verbete no dicionário. Mas as muitas e velhas raposas empoderadas, e suas crias e discípulos, nos chagaram outra vez e nos instituíram ao caos que se anuncia...
São os oriundos daquele período de horror, são os da mesma espécie, e se vestem de um ódio ainda mais exacerbado. Acharam pouco a justiça cega, e a violaram. São tiranos, incitadores de violência, indignados porque a força é de todos, o poder de voz é livre e se pode expressá-lo. São rotuladores da vontade alheia, dão veredictos sem julgamentos, mas sequer julgam seus atos... tão dolosamente indefensáveis.
Infelizmente... as cortinas não se fecharam como pensávamos. O filme continua em tela... fora apenas remodelado e, tão perigosamente quanto no passado, se desenha mais bem articulado. Infelizmente... nunca será fácil, nunca será diferente, nunca será justo...
Mas não irão calar a voz democrática... Ela é livre para ir... para não querer sair... para voltar... Não há quem a imponha um caminhar. Não a subestimem, não desviem dela o olhar... a voz democrática fala por uma multidão, grita pelo justo e equânime... canta a luta por liberdade e desta, sim, se torna prisioneira, porque, por ela, não há temor em se amarrar. Porque lutando, ela impõe o seu tom mais alto, se faz livre, e só pelo direito de soltar o seu grito ela se deixa aprisionar...
Não há barreiras que obstruam os nossos gritos, não há muros que suportem o eco dos que não desejam se calar... Resta-nos seguir lutando, gritando... pela manutenção do processo democrático, pelo direito de ser, ir, vir, pensar, escolher e praticar.
Liberdade, Liberdade... mantenha suas asas abertas sobre nós!
Que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz!